sexta-feira, 22 de abril de 2011

Elitismo de Fã

Sssh! Cale-se. Também quero fruir.


Vocês conhecem ou ouviram falar de gente que deixa de ouvir determinado artista porque “gente demais está ouvindo”? Eis uma lógica estranha, porém verdadeira – há algum tempo, venho percebendo esse torcer de nariz que tribos ditas alternativas dedicam à popularização dos artistas de que gostam. Afinal, meus caros, se alguém se arrisca a viver de música, seu objetivo não é ser ouvido? E a mídia não pode e deve ser usada como um canal de divulgação para toda forma de arte?

Para ilustrar esse comportamento, citarei um episódio ocorrido semana passada. No Altas Horas, assisti à apresentação de uma banda até então desconhecida para mim, chamada ‘Macaco’. Pelo que percebi, a maior parte da população brasileira acordada àquela hora da madrugada e sintonizada na Globo também nunca havia ouvido falar no grupo. E o som muito me agradou. Era uma mistura exótica de ritmos latinos, rumba, ska, reggae, pop, flamenco, cumbia... Uma miscelânea que no fim das contas deu muito certo sem falar no vocalista gostoso. Fiz o que toda pessoa que se agrada de um novo som – e com conexão de internet disponível – faz: googlei. Baixei canções. E, claro, fiz uma busca no twitter também, por meio das benditas hashtags, só pra dar uma checada nas opiniões dos tuiteiros da madrugada. Entre os muitos comentários, detectei alguns que, curiosamente, lamentavam a exposição da banda no programa com a seguinte assertiva: “agora vai virar modinha”.

A questão é: ‘modinha’ é o que acontece quando um artista se populariza? Todos sabemos que, mesmo que motivado por algo nobre como é a paixão pela música, o músico quer e precisa ser consumido. O que delimita o lado nocivo e o positivo disso, se temos de ser maniqueístas, é a forma pela qual esse consumo se dá, ou as motivações por trás dele (começo a ouvir um artista por que ele me agrada ou por que todo mundo está ouvindo e preciso me integrar?). Se foi da música que alguém fez um meio de vida, ramo que é bastante difícil e inseguro, aliás, claro que seu objetivo é estar presente nos mp3 e disc players e rádios, país e mundo afora. O artista quer vender seus discos. Ele quer ser visto na TV. Ele quer usufruir dos meios avançados e eficazes de divulgação de que dispomos atualmente. E é justamente por estes canais serem tão democráticos e universais que você, caro fã, teve acesso àquela banda underground que ninguém mais conhece (ou assim você pensa), indireta ou diretamente. Então dê graças!

Nada gratifica mais um músico do que ser ouvido, que pessoas saibam suas letras de cor. Por que toda essa resistência à popularização dos artistas da fatia alternativa do mundo fonográfico? Debati estas idéias com um amigo e ele sintetizou muito bem o que isso quer dizer: cultura de privilégio. As pessoas hoje vivem em busca de compor sua imagem perante o mundo a partir dos diferenciais. A moda é ser diferente, gostar de coisas diferentes, ir contra o mainstream. O que era contracultura passou a fazer parte da cultura pop em caráter integral. Gostar de artistas e escritores pouco conhecidos ou pouco fruídos passou a conferir certa aura de superioridade às pessoas. Face à ‘democratização’ e à ampliação dos acessos, prevalece o exclusivo em detrimento do inclusivo. Se posso ter algo só pra mim, por que compartilhar, não é verdade? Bullshit. Essa lógica individualista é sintoma de algo muito maior e mais danoso, que não me atreverei a tecer comentários sobre antes de entender completamente (quem andou estudando Ética comigo há de entender...).

Caso a preocupação destes fãs elitistas fosse o medo de a indústria cultural interferir nos padrões de seus artistas preferidos, bem, nada a declarar. Esse medo é justificável, palpável e bastante pertinente, diante do panorama da própria indústria cultural e suas médias de gosto. Mas a causa é simplesmente e mais uma vez questão de status quo – ele novamente! As pessoas não querem perder o diferencial de seu cartão de visitas, por mais superficial que ele seja. Eu, particularmente, gostaria que alguns dos meus artistas preferidos fossem mais conhecidos, tocassem nas rádios. Haveria mais acesso. Haveria mais shows. E haveria mais gente gostando de música boa ou, pelo menos, música muito mais duradoura que as medíocres efemeridades que a indústria fonográfica tem semeado por aí.


P.S.: hey, @aridenisson! Obrigada pela discussão que motivou o post. Espero contar com seu suporte teórico e opinativo para os vindouros!

P.S.²: brincadeiras e trocadilhos com a imagem à parte, a banda 'Macaco' é muito interessante. Os afeitos à mistureba musical, googlem, youtubem e divirtam-se!

quarta-feira, 13 de abril de 2011

O dia do beijo

Dia do beijo, do orgasmo, dos namorados, do diabo a quatro. Não seria problema algum se tais datas fossem apenas datas, como tantos outros dias menos valorizados que a gente vê por aí. Mas um surto de carência parece tomar conta de grande parte das pessoas solteiras, como se só nesses respectivos dias elas se dessem conta de que não há alguém com quem trocar beijos, com quem fazer sexo (será tão difícil assim?), com quem namorar. Até mesmo alguns dos solteiros mais convictos sentem aquela fisgada de solidão no fundo da alma... Afinal, qual é a alma que uma vez na vida não quer pertencer a outra, sem mais?

Triste mesmo é pros solteiros qualquer coisa menos convictos. O bicho pega nesses casos. Os mais sensíveis mergulham num monólogo interno e existencialista cerceado de autopiedade e vou lhes contar, hein? É muito drama pra nenhum Shakespeare vivo neste mundo... Mas não estou condenando a ninguém, pelo contrário, eu os compreendo. Já integrei este quorum de inconformados e solitários, até perceber que datas são datas. São convenções que ninguém está obrigado a concordar ou partilhar delas. Ou não deveria, em tese... A cada dia dos pais, das mães, dos namorados, das avós, os shoppings fervilham de gente. Acho meio ridículo. Aliás, destas convenções sociais, apenas os aniversários me inspiram alguma simpatia, sabem? Faz sentido que te entreguem presentes pra celebrar um ano a menos na terra. É uma bela forma de consolo.

A culpa é do sistema. Sempre é, não é? O problema é essa sociedade que vive de status quo e atribui valor a uma série de coisas, como, por exemplo, ter namorado ou namorada. Namorar é bom? É ótimo! Mas o fato de não ter a tampa da sua panela não devia te inferiorizar diante da sociedade, ou melhor, ter a panela bem tampada não devia conferir tanta superioridade. Não é tão fácil que duas almas se encontrem, se enxerguem uma na outra e se disponham a passar mais tempo que o normal juntas. Tem gente demais no mundo. O que significa também uma infinidade de critérios de ‘seleção’ (se bem que as pessoas não andam tão criativas assim nesses tempos...). O natural é que haja muita, muita gente disponível, pois! Não vou bancar a conselheira amorosa e pedir que os solteiros tenham paciência, que a qualquer esquina o amor da vida surgirá e blablabla. Não, não. Só digo que datas são datas, ponto.

Um orgasmo não é melhor no dia do orgasmo, nem um beijo é melhor no dia do beijo. Piores também não são. Continuam sendo orgasmos e beijos, coisas muito boas, aliás. Quem tem a quem beijar hoje, maravilha, beijem-se, todos os dias, porque faz bem pra saúde mental e física. Quem não tem... Continuem a fazer o que fazem todos os dias, produzam, ouçam música, vejam filmes (contanto que não sejam comédias românticas, pelo amor!).

Aí algum espertinho que chega neste parágrafo final vai e mata a charada: essa Ludmila não tem a quem beijar e quer pagar de cult! Eu tenho uma resposta universal pra você, mas a minha educação mínima não me permite ser tão rude. Até tenho a quem beijar no momento, não que isso interesse, mas não estou preocupada. Porque não é apenas uma questão de beijo, é uma questão de quem beijar, entendem? Meu último beijo não foi lá essas coisas todas, por exemplo, e antes só que mal beijada. :)

(Hoje também é o dia do jovem e do office-boy. Vamos todos beijar jovens office-boys, galera! \o/)

sábado, 2 de abril de 2011

Das saudades minhas e de quem mais sentir

Quem nunca se desligou do mundo por minutos a fio enquanto reproduzia na mente uma série de boas lembranças, como quem vê um filme favorito? Coração que não relembra é coração sem saudade. E sobre estes, as palavras de Pablo Neruda soam muito melhor e mais precisas que as minhas: “(...) esse é o maior dos sofrimentos: / Não ter por quem sentir saudades, / Passar pela vida e não viver”.

Homens da ciência disseram, há alguns anos, que a lusa saudade é uma das palavras de mais difícil tradução. Permitam-me um adendo: difícil mesmo é defini-la. Os dicionários bem que tentam. Talvez o digníssimo Aurélio até tenha chegado perto quando disse que saudade é “lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las”. Boa definição, porém incompleta. Aliás, eis do que a saudade é feita: de incompletude.

Saudades podem ser tantas. E de tantos. São filhas das distâncias e irmãs de sentimentos contraditórios e ao mesmo tempo oriundos de um só, tristeza. Andam de mãos dadas com despedidas, perdas, amor, incompletude, dúvida. Serenas ou agudas, remediáveis ou não. E talvez a pior das saudades seja a nostalgia. Porque há saudades passíveis de morte, que dizemos poder ‘matá-las’, mas nostalgia parece que só sabe aumentar e aumentar. Mesmo quando retornamos ao que nos faz falta. Tristes são as saudades sem jeito, conseqüência de despedidas que nem sempre nos são consentidas. Às vezes, elas vêm de um adeus forçado. Outras, não percebemos o que vai-se embora até que tenha sumido.

Dei de falar de saudades porque o poema do señor Neruda fez-me pensar a respeito das muitas que carrego, que se revelam de diversas formas, diversas vezes, todo o tempo. Como a da avó que se foi e deixou os domingos vazios de carinho, de quintais e pitangas e do cheiro dos quitutes que só ela sabia fazer. Como a que nos vem quando a vida nos massacra de tal forma que tudo o que queremos é voltar ao tempo de ser protegido, de ser menino. Ou quando nos sentimos meninos demais e o olhar que o espelho nos devolve é o de um adulto reclamando o lugar que lhe é de direito.

Saudades de gente que disse ‘até logo’ e foi cuidar da vida em outras plagas. Desses, bem entendo. Coleciono-os. Gente com quem dividi e divido laços de amor, amizade, cumplicidade e sangue. Gente cuja saudade ‘corta como aço de navalha’, gente que amo amar, gente de quem eu precisava e preciso – e que continua na minha vida, num auxílio distante porém presente. Há quem tenha ido embora, julgando ser para sempre, mas acabou voltando, munido da mesma saudade. Outros que vão e voltam tanto que nem dá tempo de sentir falta.

Há saudade até de um tempo que nunca me pertenceu e que nunca conheci, mas cuja lembrança fere tal e qual fosse meu. Renato Russo disse certa vez sentir saudade do que ainda não viu. Sinto saudade de mim, de quem fui, da ingenuidade e fé desmedida que carreguei e hoje padecem de realismo. Saudade de ser criança, de desconhecer a maldade, de arranhar discos de vinil, arruinar fitas cassete, rebobinar vídeos. Saudade de correr descalça e mal vestida, nada me importando além da liberdade, doce liberdade.

Saudades podem quedar adormecidas por muito tempo, até que despertam, mais impetuosas, mais fortes, sedentas de lembranças e lágrimas nossas. Saudades são agonias das mais lentas. São solidão acompanhada. Mas têm uma beleza triste e inegável, até mesmo em sua construção enquanto palavra, que provém de solidão e de saudar. Uma saudação à solidão, pois.

Enfim... Estas são palavras de uma pessoa amedrontada pela passagem do tempo e com o coração pesado de tanta saudade. Mas ela não quis, em momento algum, parecer triste ou amarga. Pelo contrário. Saudades fortalecem. Mantêm o coração num vivo compasso. Eis uma sincera homenagem a todos e a tudo que me causam essa nostalgia que faz com que as coisas parem no tempo, como diria Quintana. Aos meus queridos e bem amados causadores de saudade.